Vitor Paulo Camargo Gonçalves e Florentino da Silva Fernandes
I. Introdução
A significativa melhoria dos fundamentos macroeconômicos brasileiros ocorrida nos últimos anos e a crise financeira internacional (2008) colocaram em evidência a relevância do tema risco de crédito para fundos de pensão. Isto porque a estabilidade econômica tem impacto nas expectativas de taxas de juro real no curto, médio e longo prazo e a crise financeira internacional sinalizou para a necessidade de ir além da leitura das notas concedidas pelas agências classificadoras de risco, buscando desenvolver modelos próprios para avaliação de risco de crédito.
Os fundos de pensão nacionais vêm mantendo, ao longo dos últimos anos, quase dois terços de seus recursos aplicados em renda fixa (Previc (2010)), com a maior parte alocada em títulos públicos federais. Tendo em vista as significativas transformações que o cenário de estabilidade econômica tem provocado no macroambiente das entidades fechadas de previdência complementar, é possível esperar mudanças nas estratégias de alocação de recursos dos fundos de pensão, ainda que estas transformações ocorram de forma gradativa. E isto pode significar incremento nos investimentos em títulos emitidos pelo setor privado.
II. Medidas para ampliar o crédito privado de longo prazo
Um dos grandes entraves para o desenvolvimento do mercado de títulos privados é a quase inexistência de um mercado secundário de negociação. Além disso, o grande estoque de títulos públicos emitidos e as altas taxas de juros oferecidas sempre atraíram a demanda dos investidores. Dessa forma, a dívida privada precisaria pagar uma taxa de juros bem mais elevada para despertar o interesse dos investidores para aquisição de títulos corporativos.
Com intuito de mudar este cenário, no final de 2010, o governo anunciou um conjunto de medidas de estímulo ao crédito privado de longo prazo para viabilizar, nos próximos anos, o financiamento de até R$ 350 bilhões em investimentos com recursos oriundos do setor privado.
Vários são os objetivos do plano, entre eles está o aumento da liquidez do mercado secundário, condição essencial para adequada precificação dos papéis e a colocação de volumes substanciais de títulos de longo prazo. As medidas incluem também avanços na padronização dos títulos, redução dos custos de emissão de títulos, limites à concentração e criação de fundos de apoio e garantia de liquidez. Incluídas na Medida Provisória 517 de 30.12.2010, essas ações representam uma nova política em favor do mercado de dívida privada e propõe sua complementação mediante a racionalização de normas tributárias compatíveis com a colocação de papéis privados de longo prazo, que não impeçam sua liquidez e sua adequada precificação.
Os principais objetivos a serem atingidos com estas medidas são a desoneração do financiamento privado a projetos de infra-estrutura, o desenvolvimento do mercado de títulos privados de longo prazo e o incentivo à securitização de créditos imobiliários. As ações estão fundamentadas nos seguintes diagnósticos:
a) Somente com a participação de recursos públicos não será possível suprir o financiamento para as obras de que o país necessita;
b) O BNDES, que detém grande participação no mercado de crédito de longo prazo, poderá ter sua atuação limitada em razão da necessidade do setor público diminuir os gastos correntes e manter a rigidez fiscal;
c) O Brasil passará por um ciclo de elevados investimentos em infraestrutura nos próximos anos. Grandes obras são esperadas na exploração do petróleo da camada pré-sal, nos estádios e reformas dos sistemas de transporte urbano para receber os eventos esportivos de 2014 e 2016.
d) Para viabilizar estes projetos é preciso expandir o mercado de financiamento de longo prazo, que é o tipo de crédito mais adequado a grandes obras, pois seu retorno também tende a ocorrer num prazo mais longo.
O pacote do governo é dividido em duas vertentes básicas. Na primeira, há incentivos tributários para a emissão primária e negociação de títulos de longo prazo, que serão desonerados do Imposto de Renda e da Contribuição Social. A outra parte do plano consiste em um conjunto de medidas coordenadas pelo BNDES, que assume posição de indutor das emissões e das negociações dos papéis no mercado secundário.
A idéia fundamental é aumentar as alternativas de captação de recursos via mercados de capitais com operações tais como a emissão de ações, debêntures, recebíveis de direito creditório, certificados de recebíveis imobiliários e outros. Esta alternativa diminuiria a pressão por financiamento de longo prazo quase que inclusivamente concentrada no BNDES, além de traduzir o reconhecimento de que é chegado o momento do mercado de capitais assumir papel fundamental na mobilização de recursos de longo prazo para financiamento de investimentos.
III. O risco de crédito privado e os fundos de pensão: estágio atual
Dado sua condição de formadores de poupança de longo prazo e o fato de atuarem, de certa forma, como fieis depositários dos recursos de seus participantes, os fundos de pensão têm como responsabilidade proporcionar benefícios que atendam às expectativas dos participantes e patrocinadores. E essa responsabilidade impõe a busca por retornos mais atrativos onde for possível encontrá-los, tendo sempre como elemento norteador de suas decisões quatro questões fundamentais a serem observadas em qualquer tipo de investimento: risco, retorno, segurança e liquidez.
ALOCAÇÃO DE INVESTIMENTO POR TIPO DE PLANO (%) |
||||
Indexador |
Geral |
Planos BD |
Planos CD |
Planos CV |
Bolsa |
14,2 |
12,4 |
16,1 |
16,5 |
Pré |
5,7 |
4,0 |
8,1 |
6,8 |
IGP-M |
7,6 |
11,1 |
3,3 |
5,6 |
IPCA |
41 |
50,9 |
22,6 |
37,8 |
Indexadores de Curto Prazo |
||||
Caixa |
7 |
5,4 |
10,1 |
5,8 |
CDI |
16 |
10,9 |
25,3 |
18 |
Selic |
8,5 |
5,3 |
14,5 |
9,5 |
total curto prazo |
31,5 |
21,6 |
49,9 |
Fonte: Guilherme Benites
Questões relacionadas ao ambiente regulatório, à liquidez, às metas de rentabilidade, benchmarks, modelos contábeis e de precificação, acabam por contribuir para uma gestão de curto prazo. No universo de pesquisa efetuada recentemente pelo especialista Guilherme Benites, publicada na revista Fundos de Pensão - maio/junho 2011, os planos CD aparecem com 50% de seus recursos alocados a indexadores de curto prazo (SELIC, CDI, caixa); nos planos CV este percentual é de 33% e nos planos BD é de 21%.
Quando se compara o volume atualmente investido pelos fundos de pensão em títulos privados com o limite estabelecido pela legislação, percebe-se um espaço relevante para alocação nestes ativos. Além disto, a estabilidade econômica trouxe a necessidade de intensificar a busca por investimentos alternativos aos títulos públicos para maximizar o retorno das carteiras.
A Resolução CMN 3792/2009 teve contribuição direta neste novo cenário, pois se constitui no “embrião” de uma visão de maior capacitação das fundações na análise de risco de crédito. Portanto, mesmo com as limitações atuais do mercado de crédito privado não bancário (debêntures, FIDCs, CCBs, CRI e outros) tais como a falta de liquidez do mercado secundário e volume negociado pouco expressivo, o segmento de títulos privados deverá manter a tendência de crescimento verificada nos últimos anos, especialmente os FIDCs e as debêntures.
IV. Risco de crédito: Desafios para gestão dos fundos de pensão
Os critérios norteadores da seleção de ativos devem levar em consideração a rentabilidade oferecida, a segurança da estrutura da operação e a transparência com relação a pontos essenciais destes investimentos. Esses critérios devem ter como objetivo deixar evidenciado de forma clara os riscos que se esta incorrendo quando da alocação de recursos nestes títulos. Isto exigirá o aprimoramento da capacidade de análise e monitoramento dos fundos de pensão e o desenvolvimento de núcleos de inteligência voltados para este segmento.
Dois pontos são fundamentais nesta empreitada: a etapa de aquisição e a etapa de monitoramento. Essas fases se desdobram em parâmetros de controle a seguir indicados:
a) Política de Investimentos: aperfeiçoar e inserir parâmetros gerais nas Diretrizes de Investimentos existentes na Política de Investimentos;
b) Aquisição dos títulos: relacionar as principais etapas na fase de aquisição e os pontos fundamentais de análise dos investimentos;
c) Monitoramento dos títulos adquiridos: construir indicadores de acompanhamento da situação atual dos títulos como forma de antecipar eventos que coloquem em risco seu recebimento futuro;
d) Desenvolvimento de metodologias de análise de títulos privados: construção de ferramentas que direcionem a análise para os pontos relevantes da operação, riscos identificados e os fatores mitigadores dos mesmos;
V. Risco de crédito para fundos de pensão: Elementos relevantes na securitização de ativos financeiros
Quando se trata de securitização de ativos financeiros, alguns pontos são extremamente importantes. Após discorrermos sobre vários pontos relacionados com o tema risco de crédito, tais como o atual cenário macroeconômico, as medidas para ampliar o crédito privado de longo prazo, o estágio atual do risco de crédito nos fundos de pensão e os desafios de capacitação dos fundos de pensão, neste tema discutiremos, de forma abreviada, alguns pontos relacionados com a parte interna das operações que são fundamentais para avaliação desses riscos, não só para fundos de pensão como para qualquer investidor que tencione adquirir estes títulos:
a) Originação - O cedente dos recebíveis possui condições de originar títulos suficientes para cumprir suas obrigações com o fundo?
b) Estruturação - Existe adequado equilíbrio entre os ganhos do estruturador da operação e do investidor que adquire os títulos?
c) Administração - Existem conflitos claros de interesse entre o administrador do fundo e o proponente da operação?
d) Qualidade do Crédito - O crédito cedido ao fundo é uma amostra da carteira do cedente ou apenas os títulos com maior probabilidade de apresentar problemas quanto ao recebimento?
e) Estrutura do Fluxo de Caixa - O fluxo de pagamento de juros, amortização e o indexador pactuado estão de acordo com as necessidades de recebimentos apontadas pelo ALM do fundo de pensão?
f) Procedimentos em caso de atrasos e/ou inadimplência - Os procedimentos em caso de atraso e inadimplência são eficientes para obter o recebimento e evitar a judicialização da operação?
g) Nível de inadimplência - Os níveis de inadimplência são compatíveis com o índice de subordinação do fundo?
h) Elementos de reforço de crédito, tais como subordinação, fundo de reserva e sobrecolaterização - Existem elementos de garantias adicionais na operação?
Finalizando, existem desafios a serem enfrentados e etapas a serem vencidas para o adequado desenvolvimento do mercado de títulos privados no Brasil. Contudo, este parece ser um caminho natural a ser percorrido nos próximos anos, dado o esgotamento do ente público como fonte única de recursos para empreendimentos de longo prazo. Essa situação demandará um esforço por parte de todos os agentes envolvidos: órgãos reguladores, investidores, gestores, administradores e originadores. Este alinhamento de interesses facilitaria o desenvolvimento de um mercado de crédito privado mais robusto, transparente e seguro, tanto para quem oferece quanto para quem investe.
* Vitor Paulo Camargo Gonçalves, administrador, é Diretor de Planejamento da PREVI
Florentino da Silva Fernandes, economista, é Analista da PREVI