Escrito por Marcelo José Lomba Valença¹ e Andreza Fernandes Silva²

  1. O presente artigo tem por intuito discorrer sucintamente sobre a segurança da utilização de contrato de locação de imóvel como lastro em operações financeiras estruturadas. O contrato de locação pode ser considerado ordinário, built to suit, ou sale-leaseback. Em qualquer caso, a relação locatícia é regida pela Lei 8.245/91, posteriormente alterada pela Lei 12.112/09 (“Lei de Locações”).

  2. O contrato de locação ordinário é aquele em que o locatário paga ao proprietário do imóvel aluguel que consiste na remuneração pela utilização do imóvel durante determinado prazo. Neste caso, prevalece a regra do “utilizou o imóvel, é devido o aluguel”. 

  3. No contrato de locação built to suit o locatário paga ao proprietário do imóvel aluguel que o remunera não apenas pela utilização do imóvel, mas também e, sobretudo, pelo retorno do investimento feito pelo proprietário na compra do terreno e na construção do imóvel para atender às necessidades do locatário. Nesta modalidade de contrato, é imperativo que o proprietário do imóvel resguarde-se juridicamente acerca do recebimento do retorno do investimento feito em favor do locatário.  

  4. Os contratos sale-leaseback, por sua vez, decorrem de desmobilização patrimonial, onde a empresa vende seu ativo imobiliário e já condiciona a venda à manutenção do uso do imóvel, não mais como proprietário, mas como locatário. Assim, concomitantemente ao contrato de compra e venda é celebrado contrato de locação. O contrato de locação deve demonstrar a comutatividade da relação obrigacional entre o locador que realiza investimento na compra do terreno com construções, independentemente da realização, ou não, de investimentos no imóvel pelo locador/novo proprietário para atender às necessidades do locatário/antigo proprietário ou vice versa. Esta modalidade de contrato é predominantemente utilizada pelo locatário quando este verifica ser mais vantajoso, tanto do ponto de vista fiscal como contábil, o pagamento de aluguel para o novo proprietario do imóvel à manutenção do imóvel em seu balanço.  

  5. O instrumento contratual relacionado à locação de imóvel utilizado de lastro para uma operação financeira estruturada deve seguir as particularidades da relação obrigacional, seja para expressar a regra simples do “utilizou o imóvel é devido o aluguel”, seja para expressar a regra do aluguel como forma de remuneração do investimento feito pelo proprietário na aquisição do terreno e construção do imóvel, ou, ainda, para expressar a desmobilização patrimonial que deu origem ao contrato de locação.  

  6. Os contratos de locação sale-leaseback não estão sujeitos às regras do “utilizou o imóvel, é devido o aluguel”. Isso porque o valor do aluguel e o prazo do contrato, x-smallmente longo, certamente são considerados no momento da aquisição do imóvel, vez que se trata basicamente de uma “venda vinculada à locação”. Se as partes ajustarem investimentos no imóvel pelo locador/novo proprietário para atender as necessidades do locatário/antigo proprietário, então será aplicada a regra do built to suit referente ao valor dos aluguéis em volume suficiente para retornar o investimento realizado pelo locador/novo proprietário.  

  7. Assim, os contratos de locação que constituem lastro de operações financeiras estruturadas devem ser claros e transcrever exatamente os termos pactuados entre as partes. Ademais, as cláusulas contratuais devem ser elaboradas no sentido de resguardar o locador/proprietário de riscos de eventuais alterações durante a vigência do contrato, vez que a relação contratual deve ser integralmente mantida por todo o período acordado, de forma que a operação financeira estruturada seja igualmente mantida sem alterações em sua inteireza. A manutenção da estrutura contratual pelo prazo da operação é diretamente vinculada ao comprometimento financeiro, às garantias e preço da operação em si.  

  8. Neste sentido, cláusulas específicas devem ser cuidadosamente escritas nos contratos de locação que se propõem a constituir lastro de operações financeiras estruturadas. Um exemplo deste tipo de cláusula pode ser visto nos contratos de locação de longo prazo, em que o direito legal à revisão de aluguel tem por objetivo adequar o valor do aluguel a preços de mercado, devido a oscilações no decorrer do período contratual (“Ação Revisional”). Contudo, tal direito deve ser avaliado e negociado entre as partes no momento da celebração do instrumento contratual, pois em determinadas situações a adequação do aluguel ao valor de mercado pode implicar em alteração dos termos inicialmente negociados. Isso ocorre principalmente nos contratos de locação sob a modalidade built to suit ou sale-leaseback, onde o fluxo de aluguéis a ser pago pelo locatário reflete o valor presente dos investimentos feitos pelo locador na aquisição do imóvel e na adequação do mesmo aos interesses do locatário. Logo, eventual revisão do do aluguel no decurso do contrato pode impactar significativamente este fluxo.  

  9. Em operações de sale leaseback, por exemplo, a possibilidade de revisão do valor do aluguel sem regras especificas contratualmente ajustadas causaria extrema insegurança às partes: sua redução traria prejuízo ao locador/proprietário, e, por outro lado, seu aumento traria prejuízo ao locatário/antigo proprietário. O preço de aquisição do imóvel pago pelo novo proprietário é estabelecido não apenas em função do valor de mercado do imóvel, mas, principalmente, em função do valor do aluguel que o locatário/antigo proprietário pagará ao locador/novo proprietário. Qualquer alteração no valor do aluguel, portanto, impacta os termos da relação original de compra e venda do imóvel.  

  10. Desta forma, é compreensível e recomendado que locador/novo proprietário e locatário/antigo proprietário renunciem reciprocamente ao direito de propor uma Ação Revisional, em prol da estabilidade do valor dos aluguéis durante todo o prazo contratual, preservando-se, assim, a segurança da relação pelo período previamente acordado.  

  11. Importante mencionar que a Lei de Locações é uma lei baseada no princípio de equidade, de forma que a renúncia de direito por uma das partes implica na mesma renúncia ao outro contratante, vez que o contrato de locação não pode beneficiar uma das partes envolvidas no negócio.  

  12. Independentemente de não haver previsão legal específica para tanto, a doutrina e a jurisprudência têm se manifestado pela validade da cláusula de renúncia da revisão do valor do aluguel pactuada contratualmente, desde que válida mutuamente, por considerá-la uma forma de preservar a relação obrigacional e garantir que os termos negociados no ato da celebração do contrato sejam integralmente observados por todo o período contratual.  

  13. Em outros termos, o contrato de locação deve formalizar fielmente o negócio que ele consubstancia, com total respeito às particularidades envolvidas. Nesse sentido, destacamos a seguinte jurisprudência:

  14.  “Ação revisional de aluguel - imóvel comercial - cláusula de renúncia - validade. Não infringe os objetivos da Lei 8.245/91, nem malfere princípios assegurados constitucionalmente, cláusula contratual na qual as partes renunciam à ação revisional durante o prazo contratual.” (TJ-SP; 35ª. Câmara de Direito Privado; Apelação n° 1030632-0/5; Des. Clóvis Castelo, j. 21/05/2007).

    CIVIL. LOCAÇÃO COMERCIAL. PEDIDO REVISIONAL. CLÁUSULA RENUNCIATIVA. VALIDADE. 1 - Não viola o art. 19 e nem o art. 45, ambos da lei 8.245/91 e, muito menos conflita com a súmula 357-STF, a disposição contratual, livremente pactuada pelas partes, na qual o locador renuncia ao direito de propor ação revisional de aluguel, considerando-se ratificada se, após renovação da avença, continua a integrar os seus termos sem nenhuma objeção da parte interessada. Precedente desta Corte. 2 - Recurso não conhecido.” (STJ - 6ª turma - Resp 243.283/RJ - Relator: Min. Fernando Gonçalves - j. 16/3/00)

  15. A título de exemplo, observamos que o Hospital da Criança apresentou em juízo em 13.12.2011 pedido de redução do aluguel pactuado com o Fundo de Investimento Imobiliário - FII Hospital da Criança (administrado por Brazilian Mortgages Companhia Hipotecária) e obteve decisão favorável nesse sentido.

  16. Igualmente, o Hospital e Maternidade Nossa Senhora de Lourdes S/A propôs Ação Revisional contra o Fundo de Investimento Imobiliário Hospital Nossa Senhora de Lourdes (igualmente administrado por Brazilian Mortgages Companhia Hipotecária), e também obteve decisão favorável à redução do valor do aluguel. 

  17. As decisões proferidas nas duas Ações Revisionais causaram muita apreensão aos investidores e movimentou bastante o mercado imobiliário. Vale ainda mencionar que ambos os contratos que fundamentaram as Ações Revisionais são locações da modalidade sale-leaseback. Assim, é fato que os fundos de investimento imobiliário atuais proprietários efetuaram o pagamento dopreço de aquisição dos imóveis considerando que receberiam os aluguéis no valor ajustado por todo o prazo, conforme inicialmente pactuado em ambos os contratos.

  18. Entretanto, os contratos celebrados entre os hospitais e os fundos de investimento imobiliário (a) não contém cláusula específica que refletam a relação entre os preços de aquisição dos imóveis pagos pelos fundos e os valores dos aluguéis a serem pagos pelos hospitais; e (b) não contêm cláusula referente à renúncia expressa e recíproca ao direito de proposição da Ação Revisional.

  19. Tais casos podem ser considerados, portanto, isolados e não possuem fundamento para justificar o temor aparente causado no mercado, uma vez que os requisitos contratuais necessários às locações da modalidade sale-leaseback não foram observados.

  20. Sob a ótica da jurisprudência dominante, a inserção de expressa e recíproca renúncia ao direito de rever o valor de aluguel, por qualquer das partes, extinguiria qualquer controvérsia sobre o assunto e certamente os hospitais não teriam êxito nos seus pedidos de diminuição dos valores dos aluguéis.

  21. Importante ressaltar que a determinação judicial para a redução do aluguel no caso citado acima no item 14 foi mantida no Tribunal de Justiça de São Paulo, em julgamento de recurso interposto pelo Hospital da Criança. Referida decisão não é contudo, definitiva, sendo possível uma reversão, apesar de as cláusulas contratuais não serem, em nossa opinião, suficientemente fortes para tanto.

  22. Com base no acima exposto, confirmamos nosso posicionamento de que os contratos de locação continuam sendo meio absolutamente seguro e eficaz à realização de operações financeiras estruturadas no mercado de títulos e valores mobiliários, desde que devidamente observadas as peculiaridades do negócio que deu origem ao crédito imobiliário e o contrato firmado seja uma transcrição fiel dos termos pactuados, expressando exatamente a relação obrigacional havida entre as partes.

¹ Marcelo José Lomba Valença e sócio do escritório Almeida Bugelli Valença Advogados Associados, responsável pela área de Desenvolvimento, Negócios e Financiamento Imobiliário.

² Andreza Fernandes Silva é advogada sênior do contencioso do escritório Almeida Bugelli Valença Advogados Associados.

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