Desde 14 de outubro de 2013, dia em que a gestora do Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Trendbank Multisetorial (FIDC Trendbank) solicitou à administradora do fundo, a Planner CV, que este FIDC fosse fechado para aplicações, amortizações e resgates, citando o desenquadramento na razão de garantia (índice de subordinação) do fundo como um dos fatores que motivavam a ação, a situação de estresse só fez se intensificar. Contudo, a análise do desempenho de alguns indicadores básicos utilizados na indústria de FIDC já teria indicado, meses antes do fechamento do fundo, a necessidade de medidas concretas para se evitar uma deterioração substancial da carteira de crédito do FIDC. A própria leitura prudente dos relatórios de classificação de risco referentes ao FIDC Trendbank já aclarava os problemas que mais tarde viriam a acometer o fundo. Neste artigo, em duas partes, a Uqbar percorre os sinais emanados ao longo dos nove meses anteriores à solicitação de fechamento do fundo, sinais estes que, mesmo em retrospectiva, levam à conclusão de que uma atitude passiva neste período por parte de cotistas sênior deste fundo certamente implicaria em um subdimensionamento do risco que estava sendo incorrido pelos mesmos.
O FIDC Trendbank pertence a uma categoria denominada como de fundos de factoring, ou de fomento mercantil. O nome advém do tipo de empresa que atua como consultora de crédito destes fundos e, até recentemente, muitas vezes como, ao mesmo tempo, gestora, cedente e agente de cobrança dos mesmos. As empresas de fomento mercantil compram direitos creditórios oriundos de vendas à prazo realizadas pelas empresas fomentadas, de forma a adiantar o recebimento que viria apenas no futuro.
Como fundo de factoring, o FIDC Trendbank tem perfil multicedente/multissacado, i.e., os direitos creditórios passíveis de serem adquiridos pelo fundo podem ser cedidos por uma miríade de empresas de diversos segmentos e, ao mesmo tempo, correspondem a uma grande quantidade de devedores, ou sacados. No caso específico do FIDC Trendbank, o Trendbank Banco de Fomento, que atua como consultor de crédito do fundo, também atuava como cedente e gestor do mesmo. No dia 21 de novembro de 2013 a Evocati Administração e Gestão de Ativos se tornou a gestora do fundo e, mais recentemente, uma nova alteração ocorreu, com o Brasil Plural assumindo esta função.
Dada a multiplicidade de seus cedentes, os fundos de factoring costumam adotar limites quanto à participação do montante cedido de direitos creditórios por cedente em relação ao patrimônio total do fundo. No caso do FIDC Trendbank, o regulamento do fundo estabelece o limite de concentração de 6,0% do Patrimônio Líquido (PL) do fundo para cada cedente, excetuando-se o Trendbank Banco de Fomento, que pode ceder parcela correspondente a 20,0% do PL.
Todas as séries de cotas sênior do fundo apresentam a mesma rentabilidade alvo: 120,0% do CDI. A Austin Rating é a agência de classificação de risco do fundo desde sua entrada em operação, em 2007, tendo atribuído inicialmente a classificação de risco “AA” para as cotas sênior, que foi rebaixada, primeiramente, para o nível “AA-“ em 2010, e, posteriormente, em múltiplos níveis, para “B” em outubro de 2013. Como reforço de crédito às cotas sênior, o regulamento estabelece em 20,0% o mínimo do índice de subordinação.
No período compreendido entre 2007 e o fim de 2012, o FIDC esteve enquadrado quanto aos limites estabelecidos acima, não raro apresentando subordinação em índice acima de 25,0%. Contudo, a partir do início de 2013 o índice de subordinação se reduziu em grande medida. Logo em janeiro daquele ano, este índice do FIDC Trendbank esteve desenquadrado pela primeira vez, apresentando relação entre o montante de cotas subordinadas e o PL do fundo equivalente a 19,8%. A partir daí, conforme pode ser constatado na Figura 1 abaixo, o fundo oscilou entre o enquadramento e o desenquadramento do índice, tendência que só seria revertida em abril.
Figura 1 – Evolução do índice de subordinação do FIDC Trendbank Multisetorial, com a marcação, em vermelho, do limite mínimo regulamentar
Em janeiro e fevereiro houve emissão de cotas subordinadas, sempre adquiridas pelo Trendbank Banco de Fomento. Mas em 04 de fevereiro de 2013, a Austin Rating colocou a classificação de risco das cotas sênior em Observação Negativa. Assim, foram outros tipos de mudanças estruturais que resultaram, na prática, em uma elevação do índice de subordinação em abril. Antes daquele mês os cotistas do FIDC aprovaram três importantes alterações no regulamento do fundo. Foi reduzido, de 10,0% para 6,0%, o limite de concentração por cedente, o Banco PETRA foi substituído pela Planner CV na posição de administrador do fundo e o Deutsche Bank foi substituído pelo Banco Santander (Brasil) na posição de custodiante do mesmo.
Como é possível observar, ainda na Figura 1, no período entre abril e maio de 2013 o fundo voltou a se reenquadrar, de forma aparentemente mais assegurada, ao nível mínimo de subordinação permitido. Com efeito, houve a retirada da Observação Negativa, por parte da Austin, em 07 de maio, mas a agência classificadora publicou relatório de monitoramento no qual afirmava que as alterações citadas não tiveram impacto no perfil de risco do fundo, apesar da substituição da administradora e a consequente aplicação de nova metodologia de constituição de Provisões para Devedores Duvidosos (PDD) que surtiram efeito positivo importante e imediato sobre o volume de provisões e na valorização das cotas subordinadas.
Sobre a metodologia da antiga administradora, o relatório apontou que incorporava critérios bastante rigorosos, muito embora a metodologia adotada comumente seja aquela indicada pela Resolução 2.682 do Banco Central do Brasil. Como exemplo deste maior rigor referente à administração da PETRA, a Austin citou o prazo mais curto para a constituição de provisão de créditos vencidos e a utilização de ratings internos para a classificação de cedentes e sacados baseados na evolução do número de protestos no SERASA, os quais resultaram em um crescimento significativo do nível de PDD no respectivo período.
No entanto, mesmo com a tempestiva recuperação do índice de subordinação do fundo, a Austin condicionou a manutenção da classificação de risco em “AA-“ na consolidação de níveis mais confortáveis de subordinação, especificamente para 25,0%, em 30 de julho de 2013, e para 28,0%, em 30 de setembro de 2013. Fica evidente, tal qual mostra a Figura 1, que isto não ocorreu.
Mesmo que em 30 de julho o índice de subordinação tenha sido de apenas 20,2% - acima do limite regulamentar, mas abaixo do compromisso formal estabelecido pelo Trendbank Banco de Fomento, na posição de cotista subordinado do fundo– e em 30 de setembro, de 21,0%, as cotas sênior não foram rebaixadas neste período. Naquele mesmo relatório de monitoramento, a Austin reiterava os pontos considerados fracos da estrutura, tanto quanto fazia em relação aos pontos positivos. Entre eles, é possível citar a preponderância de empresas com baixo nível de governança corporativa entre os cedentes dos créditos e o fato das cessões não serem registradas em cartório, o que, em caso de eventual duplicidade de cessão por parte dos cedentes, poderia ocasionar discussões em relação à prioridade do fundo no recebimento dos créditos em questão.
Na segunda parte do artigo, a ser publicada no começo da semana que vem, serão abordados os aspectos estruturais que contribuíram para a acentuação do estresse sofrido pelo FIDC Trendbank.