A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quinta-feira (2), o projeto de lei que altera regras do Imposto Renda (PL 2337/21). Tendo como relator o deputado Celso Sabino (PSDB-PA), o projeto traz consigo o artigo 26, que altera a tributação dos FIDCs. O projeto agora será enviado ao Senado Federal.
De acordo com o artigo 26 do Projeto de Lei 2.337/2021, os FIDCs e FIC-FIDCs passariam a ser tributados à alíquota de 15% no resgate ou na distribuição de rendimentos.
Para isso, é preciso que o fundo atenda a dois requisitos. Um deles é ter 75% de seu Patrimônio Líquido (PL) representado por direitos creditórios. O segundo requisito, mais problemático, exige que um mesmo cotista não detenha, de forma isolada ou cumulativamente com pessoas a ele ligadas, mais do que 25% da totalidade das cotas emitidas pelo fundo, ou cotas que lhe deem direito ao recebimento de rendimento superior a 25% do total de rendimentos auferidos pelo fundo.
Caso o fundo não cumpra os requisitos, ele se sujeitará ao regime de come-cotas, que por si só já é insensato, mas que aplicado a um segmento de fundos cujas carteiras são compostas por ativos pouco líquidos, de desempenho incerto e de alto risco atinge novos graus de absurdez.
Um FIDC de precatórios, um ativo ilíquido e de pagamento temporalmente incerto, por exemplo, precisaria vender esses mesmos ativos (ilíquidos e incertos) para pagar o come-cotas. A iliquidez, somada à necessidade de venda, levaria a uma situação em que, caso um comprador fosse encontrado, ele teria poder de barganha suficiente para comprar o ativo com deságio, o que, em última instância, causaria prejuízo aos cotistas.
A legislação proposta desconhece como são estruturados e como opera o mercado de securitização, ignorando conceitos basilares desta tecnologia financeira. Um deles é a divisão do patrimônio em classes de cotas, com prioridades de pagamentos diferentes e, naturalmente, níveis de riscos distintos. Outro conceito é o reforço de crédito, dentre eles o da subordinação. Frente a esses mecanismos, a prática do mercado é o cedente dos direitos creditórios (ou suas partes relacionadas) comprar as cotas subordinadas, já que ela ‘protege’ os investidores sênior e mezanino de uma parcela das perdas.
O simples enunciar desses conceitos já sublinha a falta de sintonia da legislação com o mercado. De acordo com o projeto de lei, qualquer FIDC que disponha de mais de 25,0% de subordinação e tenha um cotista subordinado se enquadraria automaticamente no regime de come-cotas, o que atingiria 78,2% do total de fundos, ou 41,9% do patrimônio desse mercado.
Qual a consequência prática dessa medida?
A securitização permite que empresas que cedem seus recebíveis consigam, através desta tecnologia, alcançar custos de financiamento muito mais atrativos do que o financiamento bancário. Por sua vez, como indicado, elas precisam também atuar como investidores, neste caso subordinados, para reforçar o crédito da operação. Neste sentido, elas assumem as primeiras perdas da carteira de recebíveis até o montante investido por estas. Logo, como o retorno do principal investido e remuneração sobre esse capital é incerto, esses cotistas são os últimos a receber. Ou seja, distribuição de principal e eventual lucro somente acontece após investidores seniores terem recebido a totalidade ou parte substancial de seus investimentos. A proposta de lei agora quer que além de receber por último esses investidores comecem a pagar impostos sobre algo que ainda não se sabe se poderá ser chamado de renda.
O resultado dessa medida nos parece claro, não há necessidade de desenhar. O mercado de securitização representado pelos FIDCs, um dos mais avançados instrumentos de desintermediação financeira já criados pelo Governo, irá desidratar. Como consequência, segmentos de nossa economia, tais como micro, pequenas e médias empresas, infraestrutura, agronegócio e imobiliário, que vem, sistematicamente, ano após ano, encontrando financiamento crescente no mercado de capitais, terá que bater em outras portas.
A medida fica ainda mais ilógica quando se sabe que certas classes de fundos foram excluídas do regime de come-cotas, como os FIIs, FIAGROs e os FIDCs Incentivados (Lei 12.431). Só resta então a pergunta: a quem interessa essa iniciativa?
Abaixo, segue na íntegra o artigo 26 como proposto.
Art. 26. Os cotistas dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) e dos Fundos de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento Creditório (FIC-FIDC) serão tributados pelo Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza no resgate de cotas e na distribuição de rendimentos à alíquota de 15% (quinze por cento).
§ 1º No resgate de cotas, a base de cálculo do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza será constituída pela diferença positiva entre o valor de resgate e o custo de aquisição da cota, considerados pelo seu valor patrimonial.
§ 2º Na alienação de cotas, por qualquer beneficiário, inclusive por pessoa física ou jurídica isenta do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, o ganho constituído pela diferença positiva entre o valor de alienação da cota e o valor de aquisição da cota no mercado secundário será tributado:
I – sob a sistemática de ganhos líquidos prevista no Capítulo V desta Lei, em operações realizadas em bolsa;
II – de acordo com as regras aplicáveis aos ganhos de capital na alienação de bens ou direitos de qualquer natureza, em operações realizadas fora de bolsa.
§ 3º O disposto neste artigo aplica-se aos FIDC:
I – que tenham 75% (setenta e cinco por cento), no mínimo, de seu patrimônio líquido representado por direitos creditórios; e
II - em que um mesmo cotista não detenha, isolada ou cumulativamente com pessoas a ele ligadas, mais do que 25% (vinte e cinco por cento) da totalidade das cotas emitidas pelo fundo, ou cujas cotas lhe deem direito ao recebimento de rendimento superior a 25% (vinte e cinco por cento) do total de rendimentos auferidos pelo fundo.
§ 4º Para fins do disposto no inciso II do § 3º deste artigo, considera-se pessoa ligada ao cotista:
I – quando for pessoa física, o cônjuge, o companheiro e os parentes, consanguíneos ou afins, até o terceiro grau; e
II – quando for pessoa jurídica, a pessoa que seja sua controladora, controlada ou coligada, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 243 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
§ 5º Considera-se FIC-FIDC o fundo que mantenha, no mínimo, 95% (noventa e cinco por cento) de seu patrimônio líquido em cotas de FIDC.
§ 6º Nos casos de distribuição de rendimentos e de resgate de cotas, o Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza será retido pelo administrador do fundo de investimento.
§ 7º Os FIDC e FIC-FIDC que não observarem as condições previstas neste artigo sujeitam-se à tributação do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza nos termos do art. 1º da Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004, ou do art. 31 desta Lei, conforme o caso.