Muito foi dito a respeito do Banco Panamericano na mídia nos últimos dias. Porém, além dos números da transação de empréstimo do Fundo Garantidor de Crédito, que já é posterior ao momento de revelação da situação financeira do banco, poucos dados precisos e concretos foram divulgados para o mercado.
Para se tentar delinear algumas conclusões a respeito dos riscos de crédito e de liquidez pelos quais passam os investidores do maior Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) que tem o Banco Panamericano como único cedente e a Panamericano DTVM como administrador, o Master Panamericano CDC Veículos (MasterPan), a Uqbar fez uma análise dos dados deste fundo, utilizando-se das informações publicadas pelo seu administrador até o final de outubro de 2010, além, é claro, da respectiva documentação histórica, incluindo os relatórios da Austin, a agência que vem classificando o risco das cotas sênior do fundo.
O MasterPan é um FIDC aberto cujos direitos creditórios são originários de contratos de empréstimo para aquisição de veículos automotores leves e pesados. No lado do passivo, o fundo conta com cotas sênior e subordinadas, estas últimas, mais recentemente, dividas entre as subordinadas classe especial (mezanino) e subordinadas. O benchmark de remuneração para as cotas sênior é 112% do CDI, tendo sido devidamente alcançado até agora. O custodiante da operação é o Itaú Unibanco.
No final de outubro de 2010, o MasterPan registrou um patrimônio líquido de R$ 2,18 bilhões e contabilizava um total de R$ 2,19 bilhões em direitos creditórios, R$ 10,6 milhões em títulos públicos, R$ 36,7 milhões em Atrasos e R$ 26,8 milhões em Provisões para Devedores Duvidosos (PDD). O patrimônio líquido das cotas sênior era de R$ 1,37 bilhão, o das cotas subordinadas especial 2 era de R$ 194,9 milhões e o das cotas subordinadas era de R$ 615,8 milhões.
Apesar do nível de provisões (PDD) ter subido da faixa de 30% a 40% do montante de Atrasos nos meses até o começo de 2010 para a faixa acima de 50% nos últimos meses, os níveis destes indicadores, em relação ao total de direitos creditórios, estariam baixos demais do ponto de vista de risco de crédito para que o incremento relativo recente de PDD fosse relevante. Mas o acompanhamento do comportamento destes indicadores, no estágio atual do arcabouço regulamentar do setor de FIDC, pode-se revelar muito aquém do necessário para uma leitura realista do nível de adimplência da carteira de direitos creditórios do fundo.
Uma das informações relevantes para uma análise de risco de crédito de um FIDC, mas que ainda não faz parte daquelas que são de divulgação obrigatória, diz respeito a toda a movimentação de recompra de direitos creditórios inadimplentes por parte do cedente. Mesmo quando se lê um relatório de classificação de risco, como o da agência Austin no caso do MasterPan, não fica claro se o montante publicado de créditos recomprados se refere ao saldo devedor total (principal e parcelas) dos respectivos créditos ou apenas às parcelas que estão em atraso. De acordo com a Austin, o nível de “créditos recomprados” mensalmente girou em torno de 3% do patrimônio líquido do fundo durante o primeiro semestre de 2010.
Ao se observar o desempenho de Atrasos e PDD ao longo do tempo, percebe-se um comportamento cíclico destes indicadores que acabam por diminuir sua significância. De 2007 até hoje, por quatro vezes estes dois indicadores começaram uma trajetória de ascendência que foi cortada a seguir. Estes pontos de descontinuidade (queda) devem refletir mais o processo de recompra de créditos e menos o de recuperação dos mesmos.
Outro tipo de dado não disponibilizado se refere ao montante de pré-pagamento por parte dos devedores dos direitos creditórios. Justamente no tocante a este tópico que se viu muitos comentários especulativos na mídia questionando eventuais contabilizações duplas. Sem estabelecer obrigatoriamente qualquer vínculo entre os dois fatos, chama a atenção um comentário do relatório de 16 de agosto da Austin afirmando “ Ainda com relação à carteira de direitos creditórios, os relatórios do Custodiante do fundo, periodicamente encaminhados a esta agência, apontam algumas inconsistências resultantes do trabalho de verificação do lastro por amostragem, acerca da documentação dos recebíveis.”
Por outro lado, no Informativo do último dia 11 de novembro a agência faz a seguinte colocação: “Os relatórios de verificação de lastro por amostragem, recebidos pela Austin Rating e elaborados pelo custodiante dos FIDCs Autopan e Masterpan, apresentam ressalvas pontuais de pouca relevância, de modo que atestam a qualidade do lastro e a existência dos contratos, dentro da amostra utilizada para auditoria.”
Por conta dos acontecimentos com o Banco Panamericano, em 11 de novembro último a Austin rebaixou a classificação de risco do MasterPan três níveis, de AA+ estável para A+ perspectiva negativa.
Especificamente no que diz respeito ao risco atual de liquidez, historicamente o fundo carrega um montante total de ativos de liquidez imediata (caixa + títulos públicos) correspondente a somente 0,5% de seu patrimônio líquido. Na prática, durante a vida do fundo até agora, as captações de recursos mensais, via emissão de novas cotas, tem funcionado como a fonte real de liquidez para as necessidades de resgate, dado que o nível da primeira tem superado o nível da última, causando inclusive o crescimento consistente do patrimônio líquido. Estas captações tem ocorrido através de emissões tanto de cotas sênior como de cotas subordinadas.
Um dos parâmetros que ditam o volume de emissão das diferentes classes de cotas vem da condição regulamentar do fundo que determina que o patrimônio líquido do mesmo não pode ser inferior a 130% do patrimônio líquido das cotas sênior. Traduzindo para a métrica prevalente da definição de índice de subordinação, ou seja, a relação percentual entre o patrimônio líquido das cotas subordinadas e o patrimônio líquido do fundo, a condição regulamentar equivale a uma subordinação mínima de 23%. De novembro de 2009 a outubro de 2010 o MasterPan apresentou um índice de subordinação que declinou monotonicamente de 44% para 37% no período.
Pelo regulamento do MasterPan, o prazo dos empréstimos que compõem a carteira de direitos creditórios não podem superar 72 meses. Fora este dado regulamentar de natureza geral, não se tem informações adicionais acerca dos vencimentos médios destes empréstimos. Assumindo uma ausência de liquidez no mercado secundário dos empréstimos do fundo e uma demanda por novas cotas sênior que tende a desaparecer no curto prazo por conta dos acontecimentos recentes com o cedente, tem-se um quadro onde o único provedor restante possível de liquidez passa a ser este próprio cedente. Pelo regulamento do fundo, o Banco Panamericano não tem esta obrigação. Pela própria dificuldade nascente do Banco Panamericano de captar recursos ao mesmo custo de alguns dias atrás, tudo leva a crer que o risco de liquidez dos atuais cotistas sênior do MasterPan aumentou substancialmente.