Sherlock Holmes, o mais famoso detetive da literatura policial, ficou conhecido pela sua capacidade de resolver casos muito intricados a partir da lógica dedutiva. A dedução é a conclusão à qual se chega a partir de dois pedaços de informação, uma universal, a outra específica. Todos os gatos são pardos. Bacuri é um gato. Logo, deduz-se, Bacuri é pardo.

Em finanças, a observação do comportamento de certos indicadores constitui a base para deduções que justificarão ações específicas, como, por exemplo, a compra ou a venda de um determinado valor mobiliário. Estas conclusões podem, muitas vezes, se provarem equivocadas, afinal, como disse uma vez Warren Buffett: “o risco é muito complexo para ser avaliado somente por medidas estatísticas”. Porém, melhor com elas do que sem elas.

Neste momento em que o mercado prepara-se para importantes mudanças regulamentares para o mercado de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) é importante trazer à discussão precedente uma questão que, no ponto de vista da Uqbar, é fundamental para que investidores possam fazer suas análises e deduções do desempenho da carteira de ativos investidos por esses fundos: a divulgação diária e em formato amigável do valor patrimonial de todas as cotas de um FIDC.

Questões relativas a conflito de interesses e controles, que recebem atualmente a atenção da CVM e motivam a próxima instrução regulamentar para o mercado de FIDC, são de alta relevância e parece haver um consenso sobre a necessidade de se pensar nelas e se investir tempo e recursos para o avanço nestes tópicos. A questão é mais de forma: como abordar o grande desafio da implementação? Uma decisão que traga todas estas mudanças de uma só vez e no curto prazo poderá colocar o mercado em estado de paralisia e consequente encolhimento. De fato, uma falta de definição destas questões e do seu “como” e “quando” também tende a ter o mesmo efeito, como mostram os números reduzidos de 2012 para novas emissões e fundos registrados na CVM. 

Mas, se estas mudanças farão de nosso mercado um ambiente ainda mais forte, não se pode perder de vista avanços elementares que ainda não foram feitos. Há vários anos a Uqbar insiste na necessidade de que valores patrimoniais de todas as cotas de FIDC estejam disponíveis para todos os participantes em base diária e em arquivos em formatos padronizáveis e facilmente processáveis. Isso possibilitará que qualquer participante possa compilar e analisar estes dados fundamentais de forma efetiva.

Um posicionamento claro do regulador com relação à divulgação desta informação basilar é necessário uma vez que prevalece uma situação, no mínimo confusa, no tocante da divulgação pública desta informação. Certamente, alguns participantes do mercado, incluindo investidores institucionais de peso no mercado brasileiro, já sentiram dificuldades na obtenção destes dados, e, não raras as vezes, obtiveram respostas negativas para esta solicitação. As justificativas variam, mas geralmente giram em torno de três argumentações:

  1. Somente posso disponibilizar essa informação ao cotista do fundo.
  2. Essa argumentação certamente seria aceitável, se estes cotistas fossem os únicos investidores dos FIDC do começo ao fim do prazo dos fundos. Como na maioria dos casos esses fundos podem ter suas cotas negociadas em ambientes de negociação, temos claramente uma situação de assimetria de informação quando potenciais investidores não têm acesso fácil a uma informação básica detida por cotistas correntes.
  3. Divulgo, mas apenas das cotas seniores, que foram os títulos adquiridos por vocês.
  4. De todas, essa talvez seja a mais frágil argumentação, pois demonstra claramente uma falta de entendimento da securitização e do papel das cotas subordinadas como reforço de crédito das operações. Felizmente, escuta-se cada vez menos.
  5. Já divulgo mensalmente para a CVM. Não vejo necessidade de divulgação diária.
  6. Uma das grandes vantagens dos FIDC é o fato de que valores de cotas são calculados todos os dias e que estes levam em consideração eventuais provisões para perdas. Ou seja, qualquer aumento de inadimplência é automaticamente sentido no valor dos títulos mais subordinados. Ao se divulgar essa informação em uma base mensal, perde-se a possibilidade de capturar qualquer volatilidade intra-mensal. Esta vulnerabilidade e esta ausência de transparência são perigosas, mantendo aquele potencial investidor experiente à distância e limitando o investidor corrente na sua capacidade de intervir rapidamente.

Os gráficos com os valores patrimoniais das cotas mezanino e subordinada do FIDC Eco Agro+, fundo que até o presente momento registra perdas para os cotistas de todas as classes de cotas, foram produzidos usando-se valores diários e de final de mês. Os gráficos registram esses valores a partir de alguns dias antes dos valores patrimoniais das cotas começarem a apresentar um aumento da volatilidade até a data em que estas cotas perdem completamente seu valor. Deixa-se para o leitor comparar o valor informacional contido em cada um dos dois gráficos, no contexto citado acima de que “ a observação do comportamento de certos indicadores constitui a base para deduções que justificarão ações específicas...”.

Veja os gráficos em: http://www.uqbar.com.br/institucional/oque/orbis/artigos/artigoexclusivo_fidc2.jsp

Entre os próximos avanços regulamentares a serem implementados no mercado de FIDC, um passo fundamental seria a obrigatoriedade da divulgação diária e em formato padronizado e amigável do valor patrimonial das cotas dos fundos. Este salto qualitativo no nível de transparência do mercado representaria o estabelecimento de uma condição sine qua non para o crescimento da liquidez do mercado secundário e para um monitoramento mais efetivo do desempenho dos ativos destes fundos. Ao ser indagado por seu assistente, Sherlock Holmes não hesitaria em apontar a mais fundamental demanda informacional hoje para o desenvolvimento do mercado de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios.

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