A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou recentemente dois relatórios que apresentam os resultados das ações de supervisão realizadas ao longo do biênio 2011-2012 para cinco áreas: Empresas, Auditores Independentes, Fundos regulados pela Instrução nº 409/04, Fundos Estruturados e Mercados e Intermediários. A iniciativa prevista no seu Plano Bienal de Supervisão Baseada em Risco visa identificar, dimensionar, mitigar, controlar e monitorar os riscos que possam afetar estes segmentos cobertos pelo órgão regulador.

Os relatórios publicados compreendem os resultados das ações realizadas no semestre julho-dezembro de 2012 (Relatório Semestral) e a consolidação dos quatro semestres do biênio 2011-2012 (Relatório Bienal).

A Uqbar analisou ambos os relatórios, com enfoque nas seções destinadas aos Fundos Estruturados1, e apresenta neste primeiro artigo os resultados destas supervisões para o mercado de Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDC), de Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios Não Padronizados (FIDC-NP) e de Fundos de Investimento em Cotas de FIDC (FICFIDC), a seguir denominados conjuntamente “FIDC”, exceto quando citado diferentemente. Em breve a Uqbar publicará outro artigo, destinado aos resultados das supervisões para o mercado de Fundos de Investimento Imobiliário (FII).

A leitura dos relatórios deixa claro que alguns riscos estão sendo bem gerenciados pelos participantes do mercado. O regulador indica, por exemplo, a aderência dos regulamentos dos fundos à legislação vigente e o adequado provisionamento para direitos creditórios de liquidação duvidosa. Por outro lado, os relatórios apontam para problemas - alguns já positivados pela nova norma-, como a questão do conflito de interesses entre participantes, e outros que ainda precisam ser trabalhados, como as deficiências nos controles internos e gerenciamento de risco.
A Uqbar parabeniza a CVM pela iniciativa e pela publicação dos relatórios, os quais contribuirão para a incansável busca do aumento da transparência nestes mercados, e torce para que nos próximos relatórios o regulador amplie o detalhamento das informações, por exemplo, especificando quais análises são especificas para um determinado fundo ou participante, assim como aqueles pontos que a autarquia considera como críticos.

A seguir seguem os principais pontos da supervisão apresentados nos relatórios relacionados aos FIDC.

1.      Aderência à regulação vigente

Esta ação teve como objetivo identificar a existência de FIDC em atividade cujos regulamentos não estejam plenamente aderentes à regulação vigente. De acordo com o Relatório Bienal, dentre os FIDC submetidos a registro de funcionamento no biênio, 64 foram analisados no período sendo que 41 (64% do total analisado) tiveram que atender a exigências impostas pelo regulador para a obtenção do registro. Entre as exigências feitas pela área técnica da CVM para o registro dos FIDC destacam-se aquelas relacionadas ao processo e deliberações das assembleias e as atividades sob a responsabilidade do custodiante.

Com relação a essa iniciativa, o Relatório Semestral chama a atenção para o alto número de exigências de correção ou de complementação nos regulamentos iniciais analisados no período: 78% do total analisado, percentual equivalente ao do semestre anterior (76%) – o relatório, no entanto, não discrimina quantos FIDC tiveram seus regulamentos analisados no semestre, apenas o total de Fundos Estruturados (49).

Com relação a este alto índice de exigências para os Fundos Estruturados o regulador concluiu que o resultado da ação “traz para a área técnica em (sic) um desafio adicional, ou seja, definir muito bem parâmetros prévios de supervisão que deverão ser preenchidos pelos administradores, a fim de selecionar corretamente os fundos que serão objeto de análise a posteriori, quando o processo de registro de fundos estruturados for automatizado.

A ação também verificou a aderência à legislação vigente dos fundos em que tiveram seus regulamentos alterados após sua entrada em funcionamento. Novamente aqui ambos os relatórios não indicam a quantidade de FIDC verificados, apenas o total de fundos estruturados: 104 no biênio e 41 no semestre. Tanto no semestre quanto no biênio as análises dos regulamentos não resultaram no envio de exigências para o administrador.

2.      Diligências na aquisição de ativos

A prioridade da supervisão desta ação foi fiscalizar a atuação dos gestores, no tocante a adoção da diligência necessária na aquisição de ativos para os fundos. Neste sentido, 29 gestores de FIDC foram supervisionados no biênio. Para cada gestor foi selecionado um FIDC alvo e solicitado informações sobre as diligências adotadas na aquisição de seus ativos.

A CVM concluiu, a partir da supervisão feita em 2012, que a indústria não conseguiu naquele ano manter o aprimoramento das exigências para a aquisição de ativos.

Ao comparar com o resultado obtido em 2011, a reguladora remata que isto decorre do “esvaziamento do papel do gestor nesses fundos, provocado pelo crescimento, no período, das atividades de consultor especializado que, na prática, também fazia serviços de gestão de carteira. Esta situação foi enfrentada pela audiência pública nº 05/2012, que levou à edição da Instrução CVM 531, alterando dispositivos da Instrução CVM 356 que tratavam das atividades do custodiante em um FIDC.”.

Adicionalmente, uma inspeção de rotina foi realizada em dois gestores de FIDC – a Uqbar entende que esta inspeção foi realizada no último semestre do biênio, uma vez que esta inspeção é mencionada também no Relatório Semestral. De acordo com os relatórios, foi apurado que a atividade de gestão da carteira estava muito concentrada nas mãos do consultor especializado – problema este abordado com a reforma da Instrução nº CVM 356/01, como citado acima.

3.      Avaliação de ativos

Esta supervisão teve como objetivo verificar se os ativos dos FIDC estão sendo avaliados conforme estabelecido pela legislação vigente e, se for o caso, pelo seu regulamento. Para tanto, foram supervisionados pareceres de auditoria e as provisões para direitos creditórios em liquidação duvidosa e foram feitas inspeções de rotina em administradores e gestores.

Pareceres de auditoria

Com relação a supervisão dos pareceres de auditoria, o Relatório Bienal não indica os números relativos aos FIDC, mas menciona que para estes fundos a maior parte das ocorrências encontradas foram relacionadas a recompra, pelo cedente, dos direitos creditórios inadimplidos.

O Relatório Semestral, no entanto, fornece um pouco mais de informação sobre o processo realizado no último semestre de 2012. Embora também aqui não exista abertura para o número de FIDC analisados, os dois “segmentos alvo” foram os FIDC que tinham como cedentes bancos de médio porte e os FIDC com multicedentes e multisacados (os “FIDC de Factoring”). O regulador supervisionou pareceres de 40 fundos no semestre. Dentre os critérios utilizados para a seleção dos fundos estão o número de cotistas (o de maior número de cotistas sênior) e subordinação (os de “nível de subordinação baixo”).

O regulador concluiu que, de um modo geral, os resultados foram positivos, dado que apenas 12,5% dos fundos analisados possuíam algum tipo de irregularidade aparente (note que este indicador é para todos os fundos estruturados analisados no período e não apenas os FIDC). O relatório indica que um caso mais grave terá sua análise concluída no decorrer de 2013. Infelizmente, o relatório não dá mais detalhes, em particular o tipo de gravidade que foi constatada.

Os relatórios mencionam que a supervisão também serviu para identificar fundos inadimplentes no envio das demonstrações financeiras, os quais tiveram seus administradores notificados. Vale destacar aqui uma importante restrição de natureza estrutural do mercado, que sobressaiu a partir desta supervisão, a concentração das auditorias em poucos auditores independentes. A concentração do mercado destes prestadores de serviço foi apontada pelo regulador e corroborado por alguns administradores como a razão para o atraso na entrega das demonstrações financeiras.

Provisões para ativos com liquidação duvidosa

O primeiro ponto que chama a atenção nesta supervisão é enorme crescimento de FIDC supervisionados, 25 no primeiro semestre de 2011 para 377 no mesmo período do ano seguinte e 358 no último semestre de 2012. A razão para este crescimento está na utilização, a partir do segundo semestre de 2011, de um sistema de monitoramento da indústria de FIDC pela autarquia. Segundo o Relatório Bienal, “um número muito baixo de fundos apresentou níveis de provisão que, a princípio, eram incompatíveis com o valor dos direitos creditórios atrasados, tendo sido realizadas as respectivas ações de fiscalização posteriores.”.

O Relatório Semestral fornece um pouco mais de informações sobre as ações realizadas no período. De acordo com o relatório, com as novas funcionalidades do sistema de monitoramento, puderam ser selecionados todos os FIDC fechados e abertos com informações disponibilizadas no sistema, independentemente do valor do patrimônio líquido, que foi o critério de corte utilizado no semestre anterior. No total foram 358 fundos, sendo 280 fechados e 78 abertos.

O regulador considerou que o resultado obtido com a supervisão foi positivo, uma vez que apenas três fundos (menos de 1%) serão objeto de acompanhamento posterior. O relatório não indica o porquê desta necessidade.

Inspeção de rotina

Os relatórios indicam que a inspeção de rotina foi realizada junto a dois gestores de FIDC (novamente, a Uqbar entende que estas foram realizadas no último semestre de 2012). Segundo os relatórios, “as inspeções apuraram, entre os problemas, a ausência de auditoria interna, deficiências no trabalho da auditoria externa, falhas nos procedimentos de precificação, a terceirização e delegação da avaliação dos ativos.”. Os relatórios não especificam se os problemas foram observados em ambos os gestores, o que poderia indicar um eventual risco sistêmico na indústria, e quais as ações tomadas pelo regulador a partir dos resultados da supervisão.

4.      Regras de composição e diversificação de ativos e política de investimentos

Apesar dos relatórios nomearem o risco que se pretende avaliar como “Inobservância das regras de composição e diversificação de carteira ou inobservância da política de investimentos dos fundos”, estes só apresentam informações quanto à aderência ao artigo 40º da ICVM 356 – um FIDC deve ter, no mínimo, 50% de seu patrimônio líquido aplicado em direitos creditórios. Não existe, por exemplo, menção se a aderência dos fundos ao estipulado parágrafo 9º deste mesmo artigo – níveis de concentração de um mesmo emissor/coobrigado – foram verificadas. 

Os critérios para seleção da amostra dos fundos foram similares aos utilizados na supervisão dos pareceres de auditoria, sendo acrescidos à amostra os FIDC cujos cedentes pertencem aos setores de varejo e indústria.

De acordo com o Relatório Bienal, 19 FIDC foram analisados em 2012 – oito no primeiro semestre e onze no segundo – e apenas um (01) desenquadramento foi verificado no período, 5% do total. Mesmo percentual obtido em 2011, quando 139 FIDC foram analisados – 25 no primeiro semestre e 114 no segundo semestre –, e sete desenquadramentos detectados no processo de verificação. 

Baseado nos resultados obtidos, a área técnica considerou positivo o resultado da supervisão.

5.      Controles internos de administradores e gestores

De acordo com os relatórios, a prioridade de supervisão deste tópico foi “verificar se o administrador/gestor utiliza ferramentas de controles internos adequadas, bem como se possui mecanismos destinados à prevenção à "lavagem" de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores com utilização de fundos estruturados, bem como a maneira pela qual essas ferramentas são efetivadas.”.  O Relatório Bienal esclarece que esta ação de supervisão tem periodicidade anual e que, em 2012, foi realizada no segundo semestre.

Com relação aos controles internos e suas práticas de gerenciamento de riscos, as ações foram realizadas em 2012 para uma amostra de quatro administradores/gestores2 – nenhum administrador/gestor de FIDC foi selecionado em 2011.  Como critérios a CVM escolheu administradores/gestores que ainda não haviam sido selecionados para esta supervisão e o número de cotistas dos fundos. O regulador destaca em seu relatório que “em praticamente todos os selecionados foram encontrados fundos de várias categorias, tendo se procurado atingir o maior número possível de fundos supervisionados”.

Para estes participantes, foi solicitada, através de ofício, informação abrangendo os seguintes tópicos: (i) a forma como as decisões de investimento são tomadas e documentadas; (ii) o ambiente onde são efetuadas as operações para os fundos, em termos de instalações, sistemas e pessoal; (iii) a existência ou não de segregação entre a gestão da carteira própria, caso existente, e as carteiras dos fundos; e (iv) as práticas de gerenciamento de risco.

Os resultados dessas verificações apontam para deficiências estruturais do mercado de finanças estruturadas. O primeiro a ser destacado é o fato de um “número significativo de administradores” não ter sequer respondido aos ofícios enviados pelo regulador. Além disso, o que foi apresentado por grande parte dos supervisionados mostrou-se deficiente pela área técnica da autarquia.

Como resultado desta supervisão, a CVM concluiu que “o risco envolvendo os controles internos e o gerenciamento de risco é relevante e deve continuar a ser monitorado no próximo biênio.”. 

A respeito da estrutura de compliance, práticas de prevenção à lavagem de dinheiro e inspeções de rotina não existe qualquer citação ou comentário relativo aos FIDC nas seções que abordam essas questões nos relatórios. Além disso, a Tabela 38 do Relatório Bienal, que especifica o número de administradores/gestores supervisionados por tipo de fundo para cada ano, não apresenta números para FIDC.
 
6.      Conflitos de interesses

Esta ação de supervisão tem como objetivo verificar se o administrador/gestor possui políticas de gerenciamento de conflitos de interesse e de que maneira são efetivadas. Estas supervisões são realizadas por ofício, têm periodicidade anual e foram realizadas no segundo semestre de cada ano.

A supervisão de conflito de interesses foi aplicada para um administrador/gestor de FIDC em 2011 e 13 em 2012. Os critérios de seleção são aqueles aplicados para a verificação dos demais controles internos (item 5 acima).

Para realizar essa verificação, a CVM solicitou informações sobre negócios com partes relacionadas. A partir da análise das respostas a autarquia concluiu que houve melhora na estruturação dos administradores/gestores de 2011 para 2012, porém, não indica quais foram estas melhoras, e afirma que o tópico continuará a ser verificado no biênio 2013-2014.

Fundos de investimento em cotas de FIDC

A ação também buscou apurar se há fundos de investimento em cotas (FIC) investindo em cotas de FIDC que sejam administrados/geridos pelo mesmo administrador/gestor do FICFIDC. A CVM verificou quatro administradores/gestores em 2012 e cinco em 2011. Para estes foram solicitadas informações sobre operações entre os FIC e fundos ligados ao gestor/administrador.

A CVM informa que a supervisão realizada em 2011 não encontrou indícios de problemas nesse tipo de operação, e que a análise dos casos selecionados em 2012 será finalizada em 2013.

Inspeções de rotina

Dois administradores/gestores sofreram inspeções de rotina (o relatório não especifica quando estas foram realizadas) com relação, entre outros pontos, aos procedimentos de mitigação de conflito de interesses. Em ambos, os administradores/gestores as inspeções identificaram que o consultor especializado acumulava funções de gestor e consultor e que havia negócios com partes relacionadas.

7.      Supervisão temática

Três supervisões temáticas, programadas no Plano Bienal 2011-2012, foram realizadas durante o biênio. Elas abordavam os seguintes tópicos: (i) verificação do atendimento às disposições da Instrução CVM nº 484 (ICVM 484); (ii) avaliação do gerenciamento de liquidez das carteiras de FIDC abertos feito por seus gestores; e (iii) realização de ações de supervisão sobre os FIDC de Factorings. Abaixo uma breve descrição das principais conclusões destas ações.

A supervisão temática relacionada à ICVM 484 buscou verificar a aderência dos FIDC ao novo demonstrativo trimestral, que visa basicamente informar ao investidor os impactos, no PL do fundo e na rentabilidade de sua carteira, de eventos de recompra, substituição ou pré-pagamento de direitos creditórios. Dos 30 fundos analisados, 24 não necessitaram de nenhuma ação da autarquia. A mesma notou que não há padronização dos informes trimestrais prestados pelos administradores.

Para o gerenciamento da liquidez dos FIDC abertos, uma amostra de 34 fundos foi selecionada. “A supervisão concluiu que a indústria de FIDC (fundos abertos) não passa por um problema estrutural de gerenciamento de liquidez e apresenta níveis de gerenciamento de riscos que podem ser considerados bons. Apesar desses bons resultados, a área técnica, em função de algumas particularidades, decidiu manter o acompanhamento sobre alguns administradores e fundos.”.

Com relação à supervisão feita junto aos prestadores de serviços – administradores, gestores e custodiantes – que atuam junto aos FIDC de Factorings, a análise feita a partir das respostas recebidas dos 18 participantes permitiu ao regulador concluir que era “urgente aprimorar a plataforma regulatória dos FIDC, seja em termos de supervisão, seja em termos de regulação”. Em fevereiro de 2013, a CVM editou a Instrução CVM nº 531, endereçando as responsabilidades dos prestadores de serviços e situações de conflito de interesses.

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1A CVM divide os Fundos Estruturados em cinco categorias: Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios – FIDC (incluindo os FIDC-NP e os FICFIDC); Fundos de Investimento Imobiliário – FII; Fundos de Investimento em Participações – FIP (incluindo os FICFIP); Fundos de Investimento de Empresas Emergentes - FMIEE; e Fundos de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional – FUNCINE.
 
2A CVM utiliza, nos relatórios, os termos administradores e gestores de forma conjunta (administradores/gestores) e separados. Não fica claro quando o comentário se refere a um dos prestadores de serviço ou ambos. Exemplo: no Relatório Bienal o regulador menciona “as ações anuais de supervisão de uma amostra de gestores” (página 42), enquanto que no Relatório Semestral, para explicar o critério utilizado para a seleção das instituições, cita “o número de cotistas dos fundos administrados pelos mesmos” (página 50). Na inexistência de uma definição clara, a Uqbar utilizará administradores/gestores em todo o texto.


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