Na primeira parte deste artigo, destacamos alguns fatores que auxiliaram a manutenção do índice de subordinação do Fundo de Investimento em Direitos Creditórios Trendbank Multisetorial (FIDC Trendbank) dentro do limite regulamentar, e ressaltamos que este tipo de manutenção, que inclusive se provou oscilante na vizinhança deste limite de enquadramento, já constituía uma sinalização relevante para suscitar uma atitude bastante ativa e questionadora por parte dos investidores do fundo. Nesta segunda porção do artigo, direcionaremos o enfoque para os aspectos estruturais do FIDC Trendbank, investigando a qualidade efetiva do reforço de crédito conferido aos seus cotistas sênior. 

Primeiramente, é preciso situar a recente regulamentação no que concerne à indústria de FIDC. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou, em 06 de fevereiro de 2013, a Instrução CVM Nº 531 (ICVM 531). Resultando em relevantes mudanças na prática de mercado, principalmente no que tange aos fundos de factoring, como é o caso do FIDC Trendbank, a ICVM 531 objetivou mitigar a ocorrência de conflito de interesses nos FIDC, reforçando a boa governança nestes fundos.

Resumidamente, a norma veda, entre outras disposições, a atuação do cedente e do consultor especializado de um FIDC na cobrança ordinária dos seus créditos e na verificação do atendimento aos seus critérios de elegibilidade. Além disso, embora a guarda dos documentos comprobatórios tenha sido confirmada como responsabilidade do custodiante, este não pode delegar tais serviços ao originador, cedente, consultor especializado e gestor da operação. Por fim, a ICVM 531 impede que o administrador, gestor, custodiante e consultor especializado, ou partes a eles relacionadas, originem direitos creditórios e os cedam aos fundos nos quais atuam.

No caso do FIDC Trendbank, um investidor que cotejasse o texto da ICVM 531, com o regulamento então vigente do fundo, constataria que o tipo de estrutura do fundo – e os riscos inerentes a ela - era exatamente o que a norma visava mitigar. O Trendbank Banco de Fomento, além de originador e cedente dos direitos creditórios do fundo, atuava como seu gestor e consultor especializado. Na verdade, como veremos a seguir, mesmo com a avaliação crítica, do ponto de vista de risco, da continuidade da atuação desta empresa como participante múltiplo em atribuições em relação ao fundo, a mesma foi mantida também na posição de fiel depositário dos documentos comprobatórios do FIDC até o penúltimo dia antes da expiração do prazo dado pela CVM para que os fundos se enquadrassem à ICVM 531, em 01 de fevereiro de 2014. Dois dias antes desta data, a administradora do fundo, a Planner, por meio de Instrumento Particular, realizou as alterações necessárias para a adequação do fundo.

A Austin Ratings, em relatório de maio de 2013, citou entre os pontos estruturais fracos do fundo, a possibilidade de aquisição de títulos lastreados em operações de fomento originadas pela Trendbank Banco de Fomento, que, apesar de limitadas a 20% do Patrimônio Líquido (PL) do FIDC Trendbank, acabam por exacerbar o risco de crédito corporativo de sacados da Trendbank Banco de Fomento. Isto porque, conforme se provou realidade mais tarde à época do rebaixamento das cotas sênior, ainda segundo informativo publicado pela agência, o esforço de cobrança pela Trendbank Banco de Fomento (responsável pela cobrança dos créditos inadimplidos) foi reduzido nos meses anteriores ao fechamento do fundo, com o enxugamento considerável de seu quadro de funcionários. 

Sobre os documentos comprobatórios da operação, é preciso salientar que as verificações de lastro por amostragem, realizadas trimestralmente pela KPMG Risk Advisory Services, revelou, ao fim de dezembro de 2012, um total de 6,67% de inconsistências em relação a uma amostra de 150 itens apresentados para verificação. No relatório de maio de 2013, a Austin Rating apontou que a persistência de inconsistências acima de 5,0% no primeiro semestre de 2013 poderia ensejar a revisão da classificação. Ainda neste tema, a CVM havia publicado Ofício-Circular em junho de 2013 para orientar sobre o conflito de interesses entre a prestação de serviços de auditoria das demonstrações financeiras e de verificação de lastro dos direitos creditórios. Assim, as empresas deveriam optar por apenas um serviço, obedecido o prazo até 1º de fevereiro de 2013. A orientação afetava especificamente o FIDC Trendbank, haja vista que a KPMG Auditores Independentes também prestava o serviço de auditoria para o fundo. Não há informações disponíveis se houve mudanças em relação aos prestadores destes serviços.
 
Como foi descrito na primeira parte deste artigo, existe um limite regulamentar que fixa em 6,0% a participação de um cedente, que não o Trendbank Banco de Fomento, no PL do fundo. Todavia, conforme o Informe Mensal referente a fevereiro de 2014, existiam, neste mês, três empresas cujo percentual superava os 10,0%. Os dois cedentes de maior participação, Rock Star Marketing Ltda. – EPP e Dream Rock Entretenimento Ltda. – ME, com 12,13% e 10,20% do PL, constam, desde 28 de agosto de 2013, segundo a Receita Federal do Brasil, em situação cadastral inapta, o que as impede de funcionar, e faz com que suas notas fiscais sejam declaradas inidôneas.

Pelo lado dos sacados dos direitos creditórios, tal qual como ocorre com os cedentes, existe um limite de 4,0% do PL do fundo passível de ser devido pelo mesmo sacado. Este percentual pula para 35,0% no caso do sacado possuir registro de companhia aberta e classificação de risco igual ou superior a “AA-“, como é o caso da Petrobras, que em março de 2013 era devedora de direitos creditórios que representavam 10,9% do PL do fundo.

O ineficaz esforço de cobrança dos direitos creditórios inadimplidos, conforme aludido anteriormente, poderia ter sido depreendido do crescente montante de direitos creditórios em atraso. Como mostra a Figura 1, o índice de atraso normalizado, relação entre o montante de direitos creditórios em atraso e o montante total de direitos creditórios, percorreu trajetória ascendente em 2013, de maneira que se acentuou a partir do segundo semestre do ano, chegando a 81,0% em fevereiro de 2014. Esta significativa elevação se refletiu no provisionamento para devedores duvidosos. Mesmo que em um primeiro momento a diferença entre a metodologia de provisionamento aplicada pelo Banco PETRA e pela Planner CV tenha feito com que o montante de PDD se reduzisse, já em julho de 2013 este indicador se situava próximo do nível que havia sido auferido no fevereiro anterior, quando ainda vigorava a antiga metodologia.  Em fevereiro de 2014 o montante provisionado era equivalente a 78,3% do total de direitos creditórios na carteira do FIDC Trendbank.

Figura 1 – Evolução mensal do índice de Atraso Normalizado e de montante de PDD



Justamente no período de súbita elevação do PDD, entre fins de novembro de 2013 e fevereiro de 2014, o Patrimônio Líquido do FIDC Trendbank se reduziu de R$ 324,1 milhões para apenas R$ 82,9 milhões. Ou seja, entre 29 de novembro de 2013 e 28 de fevereiro de 2014 o PL do fundo diminuiu em montante de R$ 241,2 milhões, tal como ilustra a Figura 2. Neste ínterim, mais precisamente em 5 de dezembro, a cota subordinada passou a registrar valor patrimonial nulo. De mais a mais, segundo dados disponíveis no Informe Mensal do fundo, no site do órgão regulador, houve, no mesmo período considerado, amortizações da cota sênior que somaram R$ 12,5 milhões – ocorridas em dezembro e fevereiro. Portanto, o valor amortizado é pouco menos de 20 vezes inferior ao da queda do PL. Ainda que o número de cotas sênior tenha se mantido inalterado entre dezembro e fevereiro, o Informe Mensal registra emissão de cotas sênior em janeiro, que somam R$ 2,8 milhões. Mesmo que a atribuição a esta cifra tenha sido equivocada, e que na verdade tal cifra corresponda à conta de amortizações, a redução do PL no período ainda é muito superior ao montante amortizado, denotando que os cotistas sênior estão registrando perdas substanciais.

Figura 2 – Evolução do PL do fundo entre 29 de novembro e 28 de fevereiro



Não obstante a vantagem de se analisar em perspectiva fatos que já tiveram seu lugar no tempo, vale ressaltar, mais uma vez, a passividade custosa dos cotistas do FIDC Trendbank com a acentuação dos riscos prenunciados pelos fatos citados nestas duas partes do artigo. Figuram entre os investidores do fundo não só Institutos de Previdência de municípios, tais como São Bernardo do Campo, Hortolândia, Novo Hamburgo, Cubatão e Jundiaí, e de Estados, como Tocantins (que adquiriu 16,73% da cotas emitidas), mas também dois dos maiores fundos de pensão do país, a Fundação Petrobras de Seguridade Social (PETROS) e o Instituto de Seguridade Social dos Correios e Telégrafos (Postalis), que investem em 5,25% e 11,08% das cotas emitidas, respectivamente, além do Banco KDB do Brasil, que, descontando-se o próprio Trendbank Banco de Fomento, é o maior investidor, detendo 21,73% das cotas emitidas.

A análise de uma decisão de investimento, ou as ações a serem tomadas no caso de ocorrência de um momento de estresse, devem se pautar não só pela nota atribuída pela agência de classificação de risco, mas também pelos fatores que a justificam.  Da mesma forma, a análise mecânica entre enquadramento e desenquadramento de índices, tais como o de subordinação, impede o conhecimento pormenorizado das características mais profundas de qualquer FIDC.

Este artigo, em duas partes, procura, assim, salientar a importância do monitoramento tempestivo e diligente de investimentos em cotas de FIDC. Mesmo com os importantes ganhos trazidos pela norma no último ano, através da entrada em vigor da ICVM 531, nada pode substituir o valor da atuação ativa, através dos mecanismos disponíveis de governança, do investidor que conhece e monitora seus investimentos. Decisões como a de um fechamento de um fundo, tomadas cedo o bastante, podem mitigar substancialmente o tamanho de perdas de investimentos mal feitos.
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