Alexandre Assolini Mota e Ronaldo Ishikawa

O artigo 8º da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, conforme alterada (“Lei nº 9.514/97”), ao definir as operações de securitização imobiliária acabou por associá-las diretamente ao conceito de crédito imobiliário:


Art. 8º A securitização de créditos imobiliários é a operação pela qual tais créditos são expressamente vinculados à emissão de uma série de títulos de crédito, mediante Termo de Securitização de Créditos, lavrado por uma companhia securitizadora, do qual constarão os seguintes elementos:”


Nesse mesmo sentido, o artigo 6º da referida lei elege a expressão “crédito imobiliário” como principal elemento caracterizador dos Certificados de Recebíveis Imobiliário (“CRI”), enquanto título de crédito essencial ao funcionamento do Sistema de Financiamento Imobiliário:


Art. 6º O Certificado de Recebíveis Imobiliários - CRI é título de crédito nominativo, de livre negociação, lastreado em créditos imobiliários e constitui promessa de pagamento em dinheiro.


Se, por um lado, a Lei nº 9.514/97 conceitua e circunscreve as operações de securitização aos “créditos imobiliários”, por outro, furta-se referida norma a definir - tampouco a exemplificar - no que consiste tal espécie de crédito, não obstante esta expressão seja mencionada na lei em inúmeras ocasiões e tenha sido indubitavelmente eleita pelo legislador da Lei nº 9.514/97 como conceito jurídico fundamental para a existência e funcionamento das operações de securitização imobiliária no país.


Obedecendo ao mesmo critério empregado pela Lei nº 9.514/97, a Lei nº 10.931, de 02 de agosto de 2010, conforme alterada (“Lei nº 10.931/04”) também não se dedicou à definição do conceito de “crédito imobiliário”, a despeito de introduzir no ordenamento pátrio e disciplinar juridicamente relevante título representativo de créditos imobiliários, a Cédula de Crédito Imobiliário (“CCI”).


Neste mesmo sentido, não se localiza nos normativos infra legais que tratam da matéria - em particular aqueles emanados pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) - a definição exata do conteúdo e da extensão do conceito de “crédito imobiliário”. Evidentemente não se trata de erro ou omissão legislativa, mas sim de uma opção do legislador, que atribuiu à doutrina e ao mercado a tarefa de definir tal conceito.


Tanto é assim que a própria Exposição de Motivos que precedeu a Lei nº 9.514/97, assinada pelos Ministros Pedro Malan e Antônio Kandir por ocasião do envio do projeto de lei ao Congresso Nacional, tratou de mencionar que o objetivo primordial da lei era o de criar os mecanismos essenciais para o desenvolvimento de um mercado de financiamento imobiliário:


O presente projeto de lei orienta-se segundo as diretrizes de desregulamentação da economia e modernização dos instrumentos e mecanismos de financiamento à atividade produtiva. Seu objetivo fundamental é estabelecer as condições mínimas necessárias ao desenvolvimento de um mercado de financiamento imobiliário, para o que se criam novos instrumentos e mecanismos que possibilitam a livre operação do crédito para o setor e a mobilização dos capitais necessários à sua dinamização.

Destaca-se a criação da figura de um novo título de crédito, característica e destinado às operações no mercado secundário. A criação da figura desse novo título vem acompanhada da definição das condições legais para a efetiva securitização de créditos imobiliários, previstos rigorosos mecanismos de segurança e proteção ao investidor. Dessa forma, abrem-se perspectivas inéditas para o funcionamento de um mercado secundário de créditos imobiliários e a estruturação de operações de captação de recursos capazes de robustecer grandemente o financiamento habitacional.


Ao longo dos anos que se passaram após a edição da Lei nº 9.514/97, a abrangência do conceito de crédito imobiliário passou por uma evolução contínua, fruto da demanda constante do mercado por instrumentos cada vez mais sofisticados de financiamento imobiliário.


Neste sentido, desde o advento da referida lei, observa-se que a CVM vem expandindo seu posicionamento acerca da amplitude do conceito de crédito imobiliário, de forma que, atualmente, já estão consolidados como imobiliários os créditos decorrentes de: (i) compromisso de compra e venda de imóveis; (ii) compra e venda de imóveis; (iii) locação de imóveis, inclusive em sua modalidade atípica, conhecida como “built to suit”; (iv) financiamento imobiliário, ou seja, financiamento bancário para aquisição, construção, expansão ou reforma de imóveis; (v) concessão de direito real de superfície; (vi) concessão de direito real de uso; (vii) ou ainda, créditos detidos contra o Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS.


Recentemente, a CVM aprovou uma oferta de CRI lastreados em debêntures emitidas por determinada companhia do setor imobiliário. Do ponto de vista regulatório, tratou-se de mais uma evolução para o mercado de capitais brasileiro, por se tratar de um importante marco para o estabelecimento das premissas necessárias para a definição de um conceito de crédito imobiliário.


Esta trajetória de desenvolvimento regulatório encontra-se plenamente alinhada com o espírito e a finalidade para a qual foi instituída a Lei nº 9.514/97 e os instrumentos de financiamento, em especial o CRI, e os demais mecanismos de garantia previstos na referida lei. Trata-se de uma evolução natural decorrente da própria maturação e experiência do mercado e dos agentes regulatórios, que reflete, ainda, uma constante demanda por estruturas de financiamento cada vez mais sofisticadas.


A nosso ver, do ponto de vista legal e regulatório, o mercado de securitização de créditos imobiliários no país já goza de todo o desenvolvimento e maturidade necessários para comportar a realização de uma emissão de CRI lastreada em créditos imobiliários decorrentes de outros CRI, que, apesar de se tratar de mecanismo comum em mercados desenvolvidos, ainda não foi verificado no Brasil. Trata-se de mais um passo no caminho do desenvolvimento de um mercado secundário de créditos imobiliários eficiente, em consonância com o propósito da Lei nº 9.514/97, e, desde que estruturado de modo a salvaguardar os interesses do investidor e a evitar abusos por parte do mercado, pode representar uma ferramenta essencial para a consolidação do mercado de securitização de créditos imobiliários no país e à oferta de crédito imobiliário em montante suficiente para o desenvolvimento do setor imobiliário nos próximos anos.


Diante de um cenário de progressiva escassez de recursos para o financiamento do mercado imobiliário em geral, e considerando as inúmeras notícias que são veiculadas semanalmente e que fazem referência à insuficiência dos recursos da caderneta de poupança para fazer frente à demanda do setor imobiliário, que, em algumas estimativas, dão conta de que já no segundo trimestre de 2012 tais recursos podem se esgotar, a admissão da emissão de CRI lastreados em créditos imobiliários decorrentes de outros CRI pode ser, se não a solução, mais uma alternativa para a disponibilização de recursos para o mercado imobiliário brasileiro.


*Alexandre Assolini Mota é sócio do PMKA Advogados.
 Ronaldo Ishikawa é advogado associado do PMKA Advogados.

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